quarta-feira, 9 de abril de 2025

Ainda estou aqui

 (Não está relacionado com o filme, que ainda não vi, mas estou curioso).

(...) Andreia entrou no escritório do alfarrabista. Haviam ali vários livros espalhados. Em particular um livro, de papel, manuscrito em cima da mesa, em cima de um desenho, que parecia ter alguma idade.
Olhou, viu uma data no livro, e deixou de olhar. 

Voltou a pegar no smartphone.
'Sem rede'.

Sentou-se numa cadeira. Esperou. Abriu um ficheiro no telemovel, e começou a lê-lo.

Algum tempo depois, o homem entrou silenciosamente. Olhou para o livro em cima da mesa e viu a rapariga a ler o telemóvel. 

– Os meus livros são assim tão desinteressantes? Perguntou, desiludido.

A pergunta assustou-a. Não tinha notado que ele tinha entrado.

– Peço desculpa. Não quis assustar-te.

Ela olhou para ele. 

– O livro em cima da mesa podia ser um diário. Não quis invadir a sua privacidade.

Ele olhou para o livro.
– Eu escrevo-o para uma pessoa com quem não falo há quarenta anos.

–Está a escrever para uma pessoa com quem não fala?!

– Nunca nos despedimos.

– Para alguém que morreu?

– Ela não morreu. Só partiu, sem dizer nada.

Andreia olhou para ele.

– Ela um dia vai ler aquilo e vai saber que eu ainda estou aqui.

– É ser indiscreta, perguntar quem é ela?

Ele olhou para Andreia, percebendo o insólito da situação.

Ele levantou o livro e mostrou-lhe um desenho bastante antigo de uma jovem rapariga. 

Estava assinado, tinha sido ele a desenhá-la.

– É... para ela. Ela vai ler um dia, quando voltar. Se quiser.

– Quem é? – Perguntou Andreia – É porque eu acho que já vi essa cara. Assim jovem, com esse aspecto...
Ele pousou o livro e o desenho.

– Viste-a? Quando? Onde?

– Não sei. Mas é-me bastante familiar... não estou a conseguir identificar.

Ele olhou-a nos olhos.

– Tu viste-a sim! 

O olhar dele tinha-lhe feito qualquer coisa. Ela lembrou-se! Aquela rapariga teve Andreia no colo quando era criança.

– Eu... Lembrei-me de uma coisa.

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Ás vezes, uma memória é tudo o que fica. 
Outras, vezes...  
Convém lembrar que 'ainda estou aqui'.


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